Eu tenho uma dificuldade muito grande em falar de filmes antigos, principalmente quando são filmes que todo mundo diz que foram importantes pra sua época. E o principal motivo disso é, tudo o que o filme mostra eu já vi em algum outro filme, então mesmo entendendo a importância de tal filme eu fico com aquela sensação de: Ok, bacana! Mas nada demais.
Mas com Contos da Lua Vaga (1953) eu tive uma experiência totalmente diferente, e o “fator Japão” ajudou muito nisso.

Contos da Lua Vaga é um filme com uma história simples (e isso é um dos grandes trunfos do filme). Durante a guerra civil japonesa no século 16, duas famílias de camponeses se veem no meio de uma guerra que não era deles ao mesmo tempo que enxergam uma oportunidade no meio disso tudo, afinal como diz um dos personagens:
“A Guerra é um ótimo momento para enriquecer”.
É vendo essa oportunidade que alguns personagens acabam deixando a ambição e ganancia falar mais alto que o amor que ambos possuíam por suas famílias. Por outro lado é justamente essa oportunidade que faz com que eles tenham a chance de dar uma vida melhor pra suas famílias, mesmo que talvez possam perde-las no processo.

De um lado temos Genjurô (Masayuki Mori) que ao conseguir um dinheiro vendendo vasos de barro, encontra ali a chance de enriquecer. De outro lado temos Tobei (Eitarô Ozawa), que acha que se tornando um samurai vai conseguir deixar a pobreza.
Você não precisa ser um gênio pra saber o que vai acontecer aqui né? O desenvolvimento do filme é exatamente esse que você está pensando ou não rs (mas não vou dizer pode ficar tranquilo).
Mas o segredo aqui é a forma como o filme é contado.

Lembra que eu disse que além de ter uma história simples, o filme também é contado de uma forma simples? Então, não confunda simplicidade com mediocridade, tudo aqui é feito de uma forma magistral, o filme é quase que pensado como uma leitura de um pergaminho.
A câmera percorre sempre planos laterais indo pra esquerda e pra direita e vice versa, com pouquíssimos cortes na cenas (marca registrada do diretor Kenji Mizoguchi, mas que aqui está no seu auge), é quase como se estivéssemos vendo uma opera de rua onde acompanhamos os personagens fazendo o seu papel.
E não é só isso, em certos momentos do filme (o meu preferido), onde somos introduzidos a melhor personagem do filme, a misteriosa Lady Wakasa (Machiko Kyô) o filme lembra muito uma mistura de vários tipos de teatros japoneses, principalmente o “Teatro No” que era quase que uma cerimonia ritualista (combinando música e poesia), originado de rituais xintoístas.

Não quero falar muito sobre o filme, pois a intenção desse post é mais apresentar ele pra você. Mas tenham em mente que o filme não é só uma obra feita como metáfora para a ambição humana e sobre como as mulheres acabam sofrendo pelas escolhas dos homens (mesmo que os homens no caso do filme, façam as escolhas pra tentar dar uma vida melhor pra suas famílias).
O filme também é um deslumbre visual e mais uma vez na simplicidade, em certos momentos o filme se torna sobrenatural, então existe toda uma estética feita pela iluminação (que se você tem um pouco de conhecimento sobre cultura japonesa, vai matar o twist do filme) que é deslumbrante, destaco aqui a cena do lago e toda a parte da Lady Wakasa, é “divino”.
O filme é de 1953, mas dá uma baile em muito filme ambicioso que temos por aí.

Obviamente que eu não gostei de tudo no filme, embora o conjunto da obra tenha sido excepcional. Eu teria deixado de lado a história do Tobei (o que queria ser um samurai) ou ter feito um filme só pra isso (o filme é baseado em dois contos) e teria focado mais na história do Genjurô, suas escolhas e da Lady Wakasa. Um aprofundamento nessa história teria feito o filme ser melhor do que já é.
E porque eu digo isso? É evidente que o filme quer contar mais do que conta. O filme é uma clara crítica a guerra e ao militarismo, lembre-se é um filme de 1953, poucos anos depois que o Japão perdeu a guerra e foi covardemente atacado com bombas nucleares.
Então o filme crítica aqui tanto seus algozes quanto o próprio Japão (aqui representados pelos samurais) que matavam seu povo tanto quanto o seu inimigo (afinal, quando um não quer… dois não brigam). Mas esse sou eu querendo que o filme fosse o que eu queria que fosse e não o que ele é rs.
OK Doug, mas vale a pena?
Vale muito a pena, não é um filme longo. E é uma entrada perfeita para o gênero Jidaigeki (filmes de época japoneses) regados por uma parte técnica impecável, muito a frente do seu tempo e com um toque sobrenatural que influenciou coisas que a gente vê até hoje por aí.
Beijos e até mais
Trailer
Onde assistir?
Eu assisti Contos da Lua Vaga (1953) pele Belas Artes À La Carte.
Alguns filmes podem não estar mais disponíveis no catálogo dos serviços de streamings e nem a venda, mas estou sempre atualizando os links… então fique sempre de olho.

Gênero: Fantasia, Drama.
Direção: Kenji Mizoguchi.
Elenco Principal: Masayuki Mori, Eitarō Ozawa, Machiko Kyō, Mitsuko Mito, Kinuyo Tanaka.