Apesar do título em português Dias Perfeitos (2023), que é a derivação do título em inglês Perfect Days nos induzir a achar que o filme é sobre encontrar alegria e beleza na vida cotidiana (o que sim, é também uma das mensagens no filme), o final do filme me fez pensar que talvez o filme queira falar muito mais do que isso, e tudo já estava claro desde do título original em japonês Komorebi.
Mas calma que chegaremos lá (rs), e já se prepara para os spoilers, mas fique tranquilo saber tudo que acontece nesse filme (que não é muita coisa rs) não vai estragar sua experiência.

História
O filme é basicamente um estudo de personagem, seguimos a rotina de um zelador de banheiro público no Japão. E o filme é basicamente só isso, tem um ritmo lento, não acontece tantas coisas grandiosas, mas não é assim a vida? O filme é um recorte de poucos dias desse trabalhador.
Mas a imersão na vida simples e rotineira de Hirayama (Kōji Yakusho) faz sentido, pois o filme nos força a desacelerar e apreciar os pequenos detalhes. Eu super viveria essa vida de solitude, cercado de minhas artes favoritas, tendo tempo pra curtir meus bares preferidos e voltar pra casa, dormir e trabalhar… se for em Tokyo então melhor ainda.
O filme é todo gravado também com simplicidade, com uma câmera só, como se estivéssemos de fato acompanhando a vida de um trabalhador japonês. A atuação de Kōji Yakusho é tão absurda que a gente de fato acredita que é uma pessoa real.
Curiosamente o filme surgiu da ideia de criar um documentários sobre os banheiros públicos de Tokyo, então fez todo sentido essa abordagem.

Komorebi
Originalmente, o filme se chama “komorebi”, uma palavra japonesa que descreve o exato momento em que a luz do sol passa pelas folhas, ou seja o encontro da luz com a sombra, Hirayama adora tirar fotos desse fenômeno.
Mas como a grande maioria das palavras japonesas, “komorebi” significa mais que isso: é uma sensação de satisfação e felicidade serena ligada à natureza e à experiência humana, mesmo que imperfeita e nem sempre alegre.
O filme então procura mostrar a beleza da simplicidade, nos ajudando a redescobrir as pequenas maravilhas da vida pela perspectiva de Hirayama. Na primeira metade do filme (a minha preferida… até o final rs), entendemos os pensamentos e sentimentos de Hirayama principalmente através de suas expressões faciais, pois ele fala muito pouco.

Hirayama é um homem misterioso e fascinante. Seu pequeno sorriso ao começar o dia, sua conexão com a natureza e a dedicação ao seu trabalho mostram o quanto ele valoriza sua responsabilidade, e mesmo que a maioria de nós não quiséssemos esse trabalho, o filme nos ensina que, embora a vida de Hirayama possa não parecer perfeita para nós, para ele, ela é… ou pelo menos ele escolheu acreditar que é.
E isso diz mais sobre o Japão do que sobre ele, existe um conceito no Japão que se chama Ganbatte, que seria algo como faça o melhor possível independente do que seja, é bem comum no Japão as pessoas serem muitos gratas pelos seus trabalhos, por pior que eles sejam. Sou um chefe de cozinha? Tentarei ser o melhor deles, sou o cara que lava os pratos? Meus pratos serão sempre impecáveis. E isso vale mesmo que você não goste do que está fazendo, mas mesmo assim é grato por estar fazendo algo.

Mas aí chegamos na cena final
Na última cena, vemos Hirayama dirigindo para o trabalho, ouvindo uma música da Nina Simone e sorrindo como faz todos os dias. Mas as emoções em seu rosto são complexas: alegria, tristeza, felicidade e solidão. E isso me fez pensar sobre seus pensamentos durante todo o filme.
Acredito que Hirayama está de fato contente com seu trabalho e a sua rotina, mas não tão realizado e feliz como muitas pessoas que assistiram o filme acharam. Algo aconteceu no passado que o afastou de sua família, mas o filme opta por não nos contar muito sobre isso, para que possamos apreciar o momento presente, assim como Hirayama faz.
Uma das mensagens principais do filme é viver no presente, como Hirayama diz:
“a próxima vez é a próxima vez, agora é agora”.
Parece que Hirayama encontrou uma sensação de paz, mas isso teve um custo: o isolamento dos outros.
Não há nada de errado em viver uma vida isolada, e cada um de nós precisa de uma quantidade diferente de interação social. Eu mesmo sou introvertido (apesar de não parecer rs) e quase sempre preciso ficar sozinho, eu gosto e aprecio isso… o que não significa que eu não saiba as coisas boas que esteja perdendo ao tomar essa escolha.

Não é só sobre ver a beleza de tudo, mas sobre querer ver a beleza de tudo… mesmo que lhe custe algo.
Hirayama não precisa de um trabalho melhor, pois limpar banheiros lhe traz satisfação e segurança. Mas ele parece não estar realizado em sua vida social.
Quando se despede de sua sobrinha, ele diz que ela pode voltar quando quiser, e quando abraça sua irmã, mostra o quanto sente falta dela. Ele também fica abalado ao ver a dona do Izakaya (bar japonês) sendo abraçada por outro homem, mesmo que ele não tenha se aberto pra ela, e olha que ela deixa claro que queria rs. Hirayama criou seu próprio mundo onde está bem quando está no controle. Ele encontra prazer no trabalho, nos livros, na música e na natureza. Mas tem dificuldade quando algo inesperado acontece, como a visita de sua sobrinha, mesmo que ela seja igual a ele.

Não é tanto sobre estar com pessoas iguais a você, mas sobre preferir estar só
Eu me vi muito no Hirayama, eu procuro fazer tudo o que eu quero fazer independe do que outros possam pensar, eu sou feliz assim. Mas sair da minha rotina segura me deixa desconfortável e sem controle. Envolver-se com os outros pode ser desafiador, e ele pode preferir a melancolia de estar bem com seu isolamento do que arriscar a decepção de reabrir sua vida aos outros. Mas na cena final, vemos um pouco além dessa escolha. Ele sabe que precisa tentar se aproximar das pessoas que mais confia, como sua sobrinha e a dona do restaurante.
Para mim, isso é uma mensagem muito bonita para terminar um filme lindo. Acho que Hirayama está em uma jornada de cura para encontrar felicidade, e o final do filme mostra que ainda há um caminho a percorrer, mas que ele está no caminho certo. Podemos aprender com o fato de que Hirayama criou seu próprio caminho e não vive pelas expectativas dos outros.
E ai retornamos para o título desse post, Dias Perfeitos não é sobre a beleza do mundano, mas sobre a escolha de querer encontrar essa beleza.

OK Doug, mas vale a pena?
Divagações a parte (rs), Dias Perfeitos é um filme que me agrada tanto esteticamente, quanto de roteiro. Soube reproduzir perfeitamente a dicotomia da metrópole japonesa com a história do protagonista, trilha sonora absurda.
Porém, sempre tem um porém (rs), acho que o filme “enfeita” demais o que não precisava e da uma leva “enrolada” no segundo ato… mas a cena final salva qualquer exagero e fecha com chave de ouro um dos melhores filmes que assisti esse ano.
Trailer
Onde assistir Dias Perfeitos (2023)?
Eu assisti Dias Perfeitos (2023) pela Mubi.
Alguns filmes podem não estar mais disponíveis no catálogo dos serviços de streamings e nem a venda, mas estou sempre atualizando os links… então fique sempre de olho.

Gênero: Drama
Direção: Wim Wenders.
Elenco Principal: Kōji Hashimoto, Tokio Emoto, Arisa Nakano, Aoi Yamada, Yumi Asou, Sayuri Ishikawa, Tomokazu Miura.