Yojimbo, o Guarda-Costas mudou toda a minha perspectiva de filmes de samurais e também da obra do diretor Akira Kurosawa. Inclusive me fez querer reavaliar todos os filmes dele que eu assisti, um dia eu faço rs.
Mas antes de falar sobre o filme, um pouco de contexto. Já faz um tempinho que eu resolvi fazer uma maratona de filmes clássicos de samurais, e obviamente os filmes do Akira Kurosawa estavam nesta lista. E confesso pra você que embora em tenha gostado de todos os filmes, tirando Rashômon (1950) nenhum filme de fato tinha me deixado tão impressionado assim, nem mesmo Os Sete Samurais (1954).
Porém as coisas mudaram depois que eu terminei de assistir Yojimbo, o Guarda-Costas.

História
Yojimbo, o Guarda-Costas ao mesmo tempo que tem uma história simples, tem uma história cheia de camadas e de discussão tanto de arte, de cinema, mas principalmente sobre o Japão do período Edo, ou melhor na transição do Japão feudal (Período Edo – 1603/1868) para um Japão mais aberto para o mundo e pra “modernidade” ocidental (Período Meiji – 1868/1912).
A história de Yojimbo, o Guarda-Costas se passa justamente em 1860, momento em que os samurais já não eram mais parte da elite japonesa, momento onde mais surgiram Ronins (samurais sem mestre), justamente pelo fim do Shogunato e pelos senhores que restaram não mais dominarem o país, o Japão neste época vivia uma espécie de paz com o comando voltando para a família real japonesa.
É quando conhecemos o Ronin sem nome vivido pelo Toshirô Mifune, andarilho, solitário ele fica vagando pelo Japão em busca de trabalho (como eu disse antes, a classe dos samurais já não tinha mais a importância de outrora), é quando ele chega em pequena cidade em decadência, cheia de corrupção e dividida entre duas gangues que tentam controlar a cidade.

Mas mesmo não tendo o prestígio que tinham antes, os samurais ainda eram de certa forma temidos, afinal eles eram bons lutadores (não todos obviamente), sabiam manejar muito bem uma espada e tinham um pouco mais de educação. Sabendo disso, “nosso” Ronin oferece o serviço de guarda-costas para as gangues, fazendo uma espécie de leilão, quem pagar mais, terá os seu serviços.
Gosto de como o filme usa o período histórico da mudança do Japão feudal para um Japão mais moderno, tanto pra desmistificar a áurea quase mitológica dos samurais para algo mais real, ao mesmo tempo que continua respeitando a importância que esses homens tiveram para o Japão. E tudo isso é feito com maestria pelo Toshirô Mifune (no maior papel de sua carreira na minha opinião).
Um personagem com poucas palavras, mas que deixa claro que sabe muito bem o que está fazendo, e que vai fazer de tudo para lucrar o máximo possível, bom isso até ele ser pego de surpresa e ser confrontado com algo que ia contra os seus valores.
O filme quer aqui discutir, até onde vale tudo por dinheiro? Vale a pena trair os seus princípios? Você é culpado por “se deixar levar pelo capitalismo?”, afinal se não for você será outra pessoa, então que seja você? Enfim, daria pra fazer um post de 300 páginas só pra falar sobre esse filme.

O Poder da Encenação
A cultura japonesa é conhecida por ser uma cultura muito cerimonialista, até mesmo ritualista em certos momentos (o que eu gosto rs), desde em coisas grandes à coisas pequenas. E é na encenação que finalmente senti a genialidade do diretor Akira Kurosawa.
Usando esses aspectos da cultura japonesa, ele faz a encenação dos seus atores servirem tanto à história propriamente do filme, como um ensaio sobre o Japão da época e também um ensaio sobre a arte cinematográfica.
Lembra das duas gangues, o filme deixa de claro que na maioria das vezes não existe uma luta de fato, é quase como uma encenação. Sabe aquele vídeo famoso onde dois cachorros raivosos latem um pro outro, mas quando tiram o portão da frente dele nenhum ataca nenhum? Então meio que acontece isso no filme, tirando um momento ou outro, não existe propriamente dito uma batalha do filme, é tudo encenação.

E se você parar pra pensar que os personagens estão encenando algo, que os atores estão encenando algo, e que a cultura japonesa às vezes parece uma encenação, você vai entender e sentir muito mais como esse filme conseguiu ser simples na sua história, mas abordar muitos temas diferentes, mas com as mesmas cenas.
Claro, não é porque algo é encenado que de fato não seja verdade. Mas a estética da encenação, combina perfeitamente com filmes japonese e principalmente com filmes de samurai. E entender isso me fez gostar ainda mais da obra do Akira Kurosawa.
Descobri que o errado era eu de não ter gostado tanto dos filmes anteriores, me faltava bagagem cultural e entendimento. Ainda farei uma revisita aos filmes anteriores dele que falei por aqui e provavelmente mudarei minha opinião sobre a maioria deles.

Estética importa
Mas se tem algo que eu sempre apreciei na filmografia do Akira Kurosawa é a sua parte estética, e em Yojimbo, o Guarda-Costas temos pelo menos na minha opinião, o auge da filmografia do diretor.
Toda cena, todo enquadramento, tem importância pra história e pra mensagem que o diretor quer contar. É neste filme que temos uma das melhores cenas de samurais de todos os tempos (quiçá de qualquer filme já feito), e ironicamente não é uma cena de batalha, e provavelmente você já até viu ela por aí.

No final do filme, o Ronin vivido por Toshirô Mifune após passar por poucas e boas resolve dar um fim a tudo aquilo e aparece sozinho no canto da tela, do outro lado o que sobrou das gangues. O filme filma lentamente cada passos dos personagens, todos muito bem enquadrados, com fumaça para dar mais suspense (fumaça real inclusive, o diretor esperou dias pra conseguir fazer a tomada perfeita).
É esta cena que basicamente inspirou todo o cinema “velho oeste” e o cinema em geral até hoje, o que é irônico, pois a própria obra de Akira Kurosawa já era inspirada no cinema americano Western de John Ford, um alimentou o outro. Inclusive o próprio Akira Kurosawa foi criticado na época por alguns críticos de cinema japoneses, a crítica deles era que o diretor estava “ocidentalizando” demais suas obras, que reviravolta né?

Um filme completo
Além de ser um filme de samurai de belíssima grandeza, o filme como disse antes é muito sobre o Japão e principalmente sobre as mudanças culturais e sociais que o país vivia naquele momento. O Japão acabava de começar a se abrir para o mundo exterior, principalmente para o ocidente, ocidente que trouxe com ele o capitalismo e as armas de fogo. Vale lembrar que é um filme de 1961, poucas décadas depois da rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial, outro momento de mudança na sociedade japonesa.
O filme usa dois personagens para exemplificar isso, o samurai que não usa mais uma espada, afinal ele tem um arma de fogo vivido pelo ator Tatsuya Nakadai. E também para o “coveiro”, que vê na guerra de gangues uma forma de ganhar dinheiro vendendo caixões. Ambos os personagem também possuem dois momentos interessantes, que não mencionarei aqui, um representa um Japão deslumbrando com a modernidade e outro percebendo que nem tudo do capitalismo é bom.

E obviamente o próprio Ronin, que está procurando o seu lugar no novo Japão. Nesta época com a queda do Shogunato e com o fim da guerra civil japonesa nos próximos séculos, muitos samurais se viam sem importância para a sociedade, mesmo tento habilidades de guerra e de persuasão.
Alguns simplesmente viraram guarda-costas (daí o título do filme), outros simples cobradores de impostos, e outros partiram para a criminalidade. Inclusive é daí umas das origens da Yakuza, é por isso que eles possuem um certo código de honra samurai (outro tema que daria um post).
Nem comentei aqui, mas o filme ainda tem um tom cômico bem interessante, usando mais uma vez, o aspecto da encenação japonesa.
Vale lembrar também que existe uma imensidão de filmes inspirados em Yojimbo, o Guarda-Costas e remakes, o mais conhecido deles é o filme Por um Punhado de Dólares (1964) com Clint Eastwood.

Ok Doug, mas vale a pena?
Definitivamente um dos melhores filmes do Akira Kurosawa (se não for o melhor), esteticamente brilhante, temática que usa a encenação tanto pra discutir o Japão, quanto pra discutir a arte… brilhante!
Trailer
Onde assistir Yojimbo, o Guarda-Costas (1961)?
Eu assisti Yojimbo, o Guarda-Costas (1961) através do DVD mesmo rs
Alguns filmes podem não estar mais disponíveis no catálogo dos serviços de streamings e nem a venda, mas estou sempre atualizando os links… então fique sempre de olho.

Gênero: Drama, Thriller.
Direção: Akira Kurosawa.
Elenco Principal: Toshirô Mifune, Tatsuya Nakadai, Yōko Tsukasa, Isuzu Yamada, Daisuke Katō, Seizaburō Kawazu, Takashi Shimura, Hiroshi Tachikawa, Yōsuke Natsuki.